PAI PERTO, PAI LONGE
Escrito por Débora Candido de Azevedo, psicóloga clínica, mestre em educação, em 15 de fevereiro de 2011(A 003)

Sou psicóloga clínica, mestre em Educação e professora de Psicologia infantil há muitos anos. Com uma experiência de mais de 10 anos em consultório particular, tenho me deparado com uma nova situação: O PAI.
Uma nova demanda que se apresenta: O PAI procurando atendimento psicológico para seus filhos, O PAI procurando orientação, O PAI perceptivo, O PAI atencioso, O PAI que busca exercer seus deveres paternos, O PAI que sofre.

É nítida a modificação por qual vem passando nossa sociedade em todos os níveis e podemos detectar seus efeitos na estruturação da família moderna. A Psicologia infantil, principalmente dentro das instituições está muito acostumada com mães. São elas que buscam o atendimento, são elas que levam as crianças, são elas que percebem os probleminhas do cotidiano, tanto é que podemos encontrar vários grupos chamados “Grupos de orientação de pais”, onde só participam mães.

Mas e agora, o que fazer com essa nova demanda? O PAI participante!

Em primeiro lugar, temos que nos atentar para os jogos familiares, para as relações conjugais ou entre o casal parental. É função do psicólogo infantil inserir a ambos no contexto da avaliação psicológica ou do tratamento. Muitas vezes, a mãe justifica a distância do pai por uma impossibilidade em função de tempo por causa do trabalho, ou uma indisponibilidade para assuntos que se referem a cuidados infantis, ou até uma descrença na psicologia. Não importa a justificativa, o pai tem que ser convidado enfaticamente ao processo, mesmo que para isso, o psicólogo tenha que fazer um contato direto, porque os convites enviados através da mãe nem sempre surtem efeitos. Além disso, faz-se necessário disponibilizar horários diferentes para tal atendimento, caso seja preciso.

Preocupa-me a atitude da psicologia tradicional, que ao longo do tempo, enfatizou mais a figura materna, às vezes teoricamente, mas muitas vezes praticamente, corroborando para que o distanciamento do pai fosse entendido como “natural”.

É preciso recolocar as coisas em questão! Filhos são responsabilidade de ambos, sem distinção, 50% de cada. Além da responsabilidade nos cuidados e despesas, lembremos também dessa divisão no que diz respeito aos afetos. A mãe que gera em seu ventre uma criança tem, inicialmente, um enorme sentimento de posse, que pelo aspecto instintivo é extremamente importante para a sobrevivência do bebê, mas no aspecto construtivo deve ser algo que vai diminuindo com o passar do tempo, e o fator que mais colabora para esse distanciamento é a entrada de um pai bem intencionado e amoroso, o que vai contribuir grandemente para a formação de um adulto seguro e capaz.

Segundo a “teoria do apego” de Bowlby,

“A propensão a estabelecer sólidos vínculos emocionais com determinados indivíduos é um componente básico da natureza humana... esses relacionamentos têm um valor de sobrevivência. Um apego é uma subvariedade do vínculo emocional em que o senso de segurança de uma pessoa está estreitamente ligado ao relacionamento... é um sentimento especial de segurança e conforto na presença do outro, podendo usá-lo como uma base segura a partir da qual explorar o resto do mundo.”

Das pesquisas sobre o apego, a maior parte envolveu estudos sobre as mães, mas os princípios parecem valer também para o pai.

“O vínculo do pai parece depender mais do desenvolvimento da mutualidade do que do contato imediato após o nascimento. Desenvolver uma verdadeira mutualidade significa praticar a dança até que os parceiros acompanhem a orientação um do outro de maneira fácil e prazerosa. Isso exige tempo e muito exercitar, e alguns pais se tornam mais hábeis do que outros.”
(Bee, 1996)

Se isto é difícil de entrosar quando os pais vivem juntos, imaginem então nos casais separados. Quando a maioria dos pais tem que se afastar dos filhos, seja porque a guarda ficou com a mãe, seja por uma condição de tempo devido ao trabalho, seja por uma questão financeira, ou de distância física. Só não pode ser porque alguém joga contra essa aproximação do pai.

É o que diz a ALIENAÇÃO PARENTAL. Segundo Marco Antônio Garcia de Pinho,

“A Síndrome da Alienação Parental é tema complexo e polêmico e foi delineado em 1985, pelo médico e Professor de psiquiatria infantil da Universidade de Colúmbia, Richard Gardner, para descrever a situação em que, separados, e disputando a guarda da criança, a mãe ou o pai a manipula e condiciona para vir a romper os laços afetivos com o outro genitor, criando sentimentos de ansiedade e temor em relação ao ex-companheiro. Exemplos comuns são os de mães que provocam discussões com os ex-parceiros na presença dos filhos, choram na frente das crianças, vêem-se repetidamente reclamando e se aproveitam de qualquer situação para denegrir a imagem do pai. Mudam os filhos de escola sem consulta prévia, controlam em minutos os horários de visita e agendam atividades de modo a dificultá-la e a torná-la desinteressante ou mesmo inibi-la, escondem ou cuidam mal dos presentes que o pai dá ao filho, conversam com os companheiros através dos filhos como se mediadores fossem, sugerem à criança que o pai é pessoa perigosa, não entregam bilhetes nem dão recados e mentem aos filhos alegando que o ex-companheiro não pergunta pelos mesmos nem sente mais falta deles, obstaculizam passeios e viagens, criticam a competência profissional e a situação financeira do genitor, e, como último recurso, chegam a fazer falsas acusações de abuso sexual contra o ex-marido. No Brasil, a questão da Alienação Parental surgiu com mais força quase simultaneamente com a Europa, em 2002, e, nos Tribunais Pátrios, a temática vem sendo ventilada desde 2006. O Projeto de Lei 4053/08 que dispõe sobre a Alienação Parental teve recentemente, em 15 de julho de 2009, o seu substitutivo aprovado pela Comissão de Seguridade Social e Família. Passando pela Comissão de Constituição e Justiça, e sendo confirmado no Senado, seguirá para sanção Presidencial. De acordo com o substitutivo, são formas de alienação parental: realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade, impedir o contato da criança com o outro genitor, omitir deliberadamente informações pessoais relevantes sobre o filho, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço para lugares distantes, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com a outra parte e com familiares desta, e apresentar falsa denúncia para obstar a convivência com o filho. ”

A psicologia tem que ficar atenta a esses acontecimentos.

Não são somente os pais que sofrem por não poderem ver de perto o crescimento de seus filhos. Os mais prejudicados são as nossas crianças que se tornarão adultos emocionalmente instáveis, inseguros, duvidosos dos vínculos. É grande o número de adultos na clínica que, hoje, ao saberem da Síndrome de Alienação Parental, começam a entender a raiva que sentem do pai, percebem o jogo que as mães fizeram, muitas vezes ao se vitimarem, ou então, até mais diretamente ao execrarem seus ex-maridos. Essa é outra demanda nova para a qual a psicologia deve atentar-se.

Recentes pesquisas, como a de Aguinaldo Gomes (2003), mostram a transformação pela qual vem passando a figura paterna em nossa sociedade e, também a importância de sua presença como

“regulador da capacidade da criança investir no mundo real. A necessidade da figura paterna ganha contornos no processo de desenvolvimento, de acordo com a etapa da infância. Sua atuação na fase inicial da vida é decisiva na resolução de conflitos. Embora o lugar do pai no grupo etário infantil, entre seis e doze meses, não seja tão destacado na literatura, como acontece com a figura materna, sabe-se que o contato corporal entre o bebê e o pai, no cotidiano, é referência na organização psíquica da criança, devido à sua função estruturante no desenvolvimento do ego. No segundo ano de vida, quando já existe a imagem de pai e de mãe, a figura paterna ganha relevo, não só para ancorar o desenvolvimento social da criança, mas para servir de suporte das dificuldades inerentes ao aprendizado deste período. É este apoio que vai alavancar o desprendimento da criança da estrutura doméstica confortável, até então, garantida pela mãe. O movimento para alcançar autonomia, ganhará maior força na adolescência.” (Aberastury, 1991)

Combinando com outras teorias do desenvolvimento, Piaget nos lembra que

“O pré-operatório (2 a 7 anos) é o segundo período onde surge a função dos sistemas de significação que permite o surgimento da linguagem, podendo criar imagens mentais na ausência do objeto ou da ação.”

Sendo assim, após os dois anos a criança já pode, pouco a pouco, afastar-se da figura materna, sem prejuízo emocional.

Essa é uma dúvida que os pais separados apresentam, sobre qual ser o momento adequado para levar o filho pequeno sozinho, sem a interferência da mãe e sem que a criança sofra. Aos dois anos também, a criança já deve estar abandonando as coisas de bebê, fraldas e mamadeira, para ingressar no universo infantil. De forma que a aproximação do pai, principalmente para o menino se faz extremamente importante.

“É esta a presença que irá facilitar à criança a passagem do mundo da família para o da sociedade. Será permitido o acesso à agressividade, à afirmação de si, à capacidade de se defender e de explorar o ambiente: “as crianças bem paternizadas sentem-se seguras em seus estudos, na escolha de uma profissão ou na tomada de iniciativas pessoais.” (Corneau, 1991, p. 28).

“A esta trama acrescentamos, ainda, o poder afetivo materno que supera o do pai e estabelece contraponto na dinâmica da família, sem que os envolvidos se dêem conta do pacto silencioso dessa relação. É como se mãe e filho quisessem prolongar a “parceria” que um dia existiu entre eles, na fase inicial da vida. Não podemos afirmar que se trata de dificuldade compulsiva da mãe para com seus interesses próprios ou, no outro extremo, pela preocupação excessiva e patológica com o filho, embora isto possa ocorrer, corrobora para excluir a figura paterna.” (Gomes, 2003).

A psicologia, auxiliada pela Ciência do Desenvolvimento Humano, precisa atentar-se mais a essas modificações em nossa sociedade, para as novas formas de família, para os jogos relacionais parentais que implicam em disfunções no desenvolvimento infantil, precisamos dar voz para O PAI.


REFERÊNCIAS:

Aberastury, A. “A paternidade”. Em A. Aberastury & E. J. Salas, A paternidade: Um enfoque psicanalítico (pp. 41-87). Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.

Bee, H. “A criança em desenvolvimento”. Trad. Veronese, M. A. V. – 7ª. Ed. – Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

Bowlby, J. “Apego e perda: Apego, a natureza do vínculo”. (Vol 1, 2ª ed.). São Paulo: Martins Fontes, 1990. (Original publicado em 1969).

Corneau, G. “Pai ausente filho carente”. Trad. Jahn, L. São Paulo: Brasiliense, 1991.

Gomes, A. J. S. “O Pai Presente: O Desvelar da Paternidade em Uma Família Contemporânea”. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Mai-Ago 2004, Vol. 20 n. 2, pp. 119-125.

Piaget, J. “Aprendizagem e Conhecimento”. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1979.

Pinho, M. A. G. “Alienação parental”. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 67, 01/08/2009. [Internet]. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6540. Acesso em 16/02/2011.